terça-feira, 7 de julho de 2009

Próximos cinquenta minutos.


O contentamento de Erick reluzia, denunciando todo o seu êxito.

Vê-la era um renascimento. Todos os seus problemas e pensamentos iam embora quando Sofia estava por perto, assim como no ônibus, as musicas, as pessoas e os seus pensamentos, talvez ela também fosse uma forma de fuga para a solidão da qual ele sempre tentara escapar.

Os sentimentos de Erick eram sempre reprimidos. Uma repressão que ele mesmo fazia para todas as coisas que surgiam em sua vida, tudo que lhe lembrava certo carinho, afeição, apego, tudo o que era amor, eram sempre reprimidos. A adolescência de Erick era como uma floresta escura, tudo o que ele tinha eram os ruídos, os galhos e a escuridão. Não havia cor em nada. E era isso que Sofia o devolvia. Ela era completamente colorida, desde as suas roupas e seus olhos. Os olhos de Erick eram de um castanho escuro, os de Sofia eram de um verde compenetrante o impressionava e comovia.

Ao olhar o semblante de Sofia, se perguntava quais eram as cores que acompanhavam os seus pensamentos, seriam coloridos, iguais aos pensamentos que ele tinha por ela, ou seriam cores escuras e sem vida das quais ele sempre tentara escapar? Dais quais também, era ela sempre que o extraia?

- Eu odeio o transito. Odeio carros. Odeio Buzinas. Odeio motos. Odeio ônibus. Odeio. Gosto de bicicletas, sem buzinas, muito melhor pro meio ambiente. Por causa do bendito congestionamento, vou ter que ficar aqui, pra fora, esperando a segunda aula! Também chegou atrasado?

(...) Estava visivelmente irritava, falava alto e muito. Tinha as sobrancelhas quase juntas o que trazia a ela um ar de nervosismo.

Erick não tinha prestado atenção em nenhuma de suas palavras. Ele havia prestado atenção no elástico vermelho que prendera seus cabelos e que combinariam com a cor de seus óculos, se ela estivesse usando-os. Ele prestava atenção no modo em que seus lábios se mexiam enquanto falava, de como as suas mãos sempre gesticulavam. Observou a sua roupa, o mesmo moletom verde – Por mais que estivesse sol, ela nunca o deixava em casa. A sua calça que era de um tom pastel e seu tênis, um bom all star. Prestou atenção nos fones de ouvido caído sobre os seus ombros e peitos, queria saber o que estaria ouvindo, por mais que ele soubesse todos os seus gostos musicais. Queria recebê-la com beijos e uns amassos, mais tudo o que ele podia fazer era respondê-la. E isso ele se esquecera de fazer, estava muito entretido com seus próprios pensamentos e quase deixava escapar em voz alta.

Sofia ainda esperava por alguma resposta. Ela já o conhecia de vista, tinha certeza que estavam na mesma sala, ele não fazia parte do grupo descolado, ela também não e nunca prestou tanta atenção nele como prestava agora. Ele estava imóvel e seus olhos estavam em si, neles podiam ser vistos as fantasias que haviam se criado, pareciam muito distantes como se atravessase ela mesma, como se ele pudesse entrar em sua mente e observar tudo o que estava ali, prestes a explodir poucos segundos atrás, mas que ao observar tanta atenção acalmava e já não achava tão ruim assim que o transito tivesse a atrasado, para ela era fascinante olhar por dentro daqueles olhos escuros também e tentar decifrar o que ele estaria pensando ao seu respeito. Sofia podia observar as mudanças do humor repentino: o franzir que a testa de Erick fazia, logo em seguida um sorriso meio de canto, depois certo susto e logo em seguida a resposta ou o que Sofia pensara que ia ser uma resposta.

-Seus olhos estão de um verde mais escuro hoje.

Aquilo sim escapara da boca de Erick sem que ele desejasse, os pensamentos eram tantos que alguma coisa ia escapar, ele tinha certeza, por sorte, foi apenas o comentário sobre a cor dos olhos e não o constante desejo de agarrá-la ali mesmo.

- Mais escuros?

Erick não esperava que aquela fala saísse então não tinha mais nenhuma outra em mente pra dizer. Tentou achar mil modos de continuar a conversa sem que ela percebesse o seu interesse. Mais toda vez que pensava em algo pra dizer ele caia nas cores, cores pelas quais ele se apaixonava. E se ela não visse nele as cores que ele via nela? E se fossem apenas seus olhos que pudessem captar e distingui-las? Como ele poderia ter certeza de que havia cores nele? E se ele fosse preto no branco e não como ela, um arco-íris?

Por sorte ou não, o sinal tocou.

Sofia ainda esperava por respostas. Respostas essas que não viriam hoje. Talvez amanhã, nos próximos cinqüenta minutos.


quinta-feira, 2 de julho de 2009

Cinquenta Minutos.


Ele não era pop. Ele sabia disso. Ele gostava de não ser. Ele não gostava de estar no centro. Ele não se achava muito bonito. Ele tinha olhos cor de mel. Ele era magro e usava calças legais. Ele tinha um all star e gostava dele, dentre eles, era o único que gostava. Ele não falava muito e era muito envergonhado. Ele gostava de Zeca Baleiro e ouvia mpb.

Ela era engraçadinha. Queria ser mais alta. Gostava de maçã do amor e morangos com chocolate. Era simpática. Gostava de all star, dentre elas, era a única que gostava. Usava cabelos presos e um óculos vermelho. Era magra e tinha bunda. Era concentrada e perfeccionista. Usava brincos pequenos e seus olhos ficavam mais claros quando chovia. Era autêntica. Tinha pele clara e cabelos escuros, tinha as maçãs do rosto coradas e sempre usava a sua blusa verde escura, talvez porque eram da cor de seus olhos.

Acordou, escovou os dentes, lavou o rosto, trocou seu pijama por uma das suas calças, estava sol e então pôs uma camiseta branca leve, bagunçou um pouco mais o cabelo, passou a mochila nas costas e engoliu o leite. Sentado dentro do ônibus a sua musica preferida tocava dentro dos seus tímpanos cobertos pelo seu fone. Não sabia aonde as outras pessoas iam e gostava de imaginar o que elas fariam depois de descer no ponto. Desceu. Andou por mais quinze minutos e descobriu que estava atrasado, o moço que trabalhava na loja de brinquedos do shopping (sabia que trabalhava lá, o seu uniforme o denunciava) havia lhe passado muito antes do que de costume. A senhora, que sempre estava sentada esperando outro ônibus já não estava mais ali e então ele tinha certeza de que estava atrasado. Seus passos agora não podiam ser vistos, eram rápidos demais, quase corria. Sabia que se demorasse mais não a encontraria.

Enquanto estivera no ônibus não se lembrava do quão importante era pra ele, esse momento. Ele parecia contemplar todos os movimentos alheios e se divertia com as frases dos outdoors, pra ajudar as musicas lhe faziam voar alto e esquecer tudo aquilo que lhe afligia. Ele então passava a pensar quais eram as aflições dos autores e o porquê das letras parecerem ser escritas e cifradas exatamente pra ele, como se ele fosse à peça principal dos quebra-cabeças sonoros. Ele nunca achava as respostas, porém, nunca desistia de procurá-las era a sua forma preferida de passar o tempo, além dos livros, as suas teorias eram como escudo pros pensamentos que ele não queria ter. Mais assim que os pensamentos voltaram ao lugar, ele se lembrou do quanto gostava dos primeiros cinqüenta minutos de todas as manhãs.

Como era de se esperar, os enormes portões acinzentados estavam inteiramente fechados. Os cantos dos pássaros começavam a fluir em sua mente, por mais que o trânsito atrás não parasse nunca, as buzinas atordoadas e as motocicletas ensurdecedoras, não havia mais nada que ele pudesse ouvir além do silêncio em sua própria mente. Hoje o dia não teria a mesma graça. A paz que lhe concedera todas as manhãs havia sido sequestrada. Era difícil pra ele. Mais difícil ainda era se livrar dos pensamentos que ele não queria ter! Seria um dia longo, ao invés de sorrisos dos quais ele se lembraria a tarde toda, hoje, especificamente, ele iria se lembrar do quão lento alguém podia ser. Iria se lembrar das pessoas que lhe passaram, das musicas que tocaram se lembraria até do gosto amargo que a falta dela lhe traria. Tudo que ele queria era um pouco da doçura que os olhos traziam, queria mais das suas palavras pra tirar o pouco de fôlego que lhe restava. Hoje ele não precisava que o tempo mudasse, fizesse sol ou fizesse chuva, hoje, ele não iria reparar nas mudanças de cores que a natureza concedia. Esses pensamentos eram ainda mais difíceis.

Com o sol lhe batendo no rosto e sem poder enxergar, sentiu por entre os raios uma leve brisa passar, os cantos dos pássaros se esvaíram e então um novo acontecimento mudou o seu dia. O sorriso tomou conta, a sua perna bambeou, o coração bateu no primeiro instante, depois era como se tivesse parado, não havia sinal vital, mais havia borboletas em seu estomago, a certeza de que ainda estava vivo. Uma porta se bateu, ele podia ouvir alguns passos e eram passos inconfundíveis pra ele. Era como uma nova musica e essa sim, cifrada especificamente pra ele e talvez por ele mesmo.

Era ela, Sofia, linda, como em todas as manhãs que nesse momento, conseguia lembrar. Ela não estava com o sorriso preferido dele, ele não via as covinhas das bochechas e nem o formato que o seu rosto fazia todas as vezes que ela estava feliz, sorrindo. Mas ela estava lá. E isso era só o começo.

- Seria apenas coincidência ou o destino que soprava a favor de Erick?